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Cultura
Domingo - 21 de Novembro de 2010 às 11:23
Por: João Negrão

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A Revolta da Chibata, movimento dos marinheiros brasileiros comandados pelo “Almirante Negro” João Cândido, completa 100 anos nesta segunda (22). Leva esse nome justamente porque os marinheiros, em pleno limiar do século 20, sofriam com um castigo brutal: as chibatadas, nos tempos nefastos da escravidão, findada 22 anos antes. Ao lado dessa verdadeira tortura, as condições dos militares subalternos nos navios de guerra do Brasil eram extremamente desumanas, tanto em relação ao estafante e degradante trabalho nas naus quanto à alimentação e aposentos, um cenário que lembrava os mais cruéis navios negreiros. Um detalhe: a maioria dos marinheiros era formada por negros e mulatos.

Para os mato-grossenses, no entanto, a Revolta da Chibata seria para ter um ingrediente muito particular. Um dos oficiais que comandavam a tortura e mantinham sob as cruentas condições aqueles seres humanos oriundos das classes mais pobres da população brasileira era um homem nascido em Mato Grosso. Seu nome: João Batista das Neves, capitão-de-mar-e-guerra, então comandante do Encouraçado Minas Gerais, palco central da revolta.

Batista das Neves, cujo nome batiza uma pequena rua no centro de Cuiabá, aquela que começa na rua 24 de Outubro e termina num beco que dá para a avenida Mato Grosso, nasceu a 28 de junho de 1856. Começou na Marinha brasileira como guarda em 1874, depois foi promovido a segundo-tenente em 1876; primeiro-tenente em 1880; capitão-tenente em 1893, quando teve participação importante na Revolta da Armada em 1893.

Mesmo com seu passado rebelde, Batista das Neves não titubeou em reprimir seus marinheiros. Afinal, ele foi um rebelde de uma revolta elitista da Marinha brasileira, que se opunha à pueril República que nascera quatro anos antes. Dezessete anos depois, já com a patente de capitão-de-mar-e-guerra, Batista das Neves estava à frente do Encouraçado Minas Gerais. A revolta dos marinheiros começou ali. O militar mato-grossense morreu junto com três outros oficiais. A literatura histórica publicada em Mato Grosso faz pouca menção a esse episódio e quando a ele se refere, apresenta Batista das Neves como um personagem vítima de “vândalos” que tomaram de assalto seu navio.

Ao tomarem de assalto o Minas Gerais, imediatamente os marinheiros ganharam o apoio do segundo maior navio da Marinha na época, o Encouraçado São Paulo e de pelo menos mais meia dúzia de outras embarcações menores. O cenário era a Baia de Guanabara e o alvo, nada menos que a sede do governo federal, o Rio de Janeiro. Os marinheiros ameaçaram bombardear a capital caso suas reivindicações não fossem atendidas.

 A principal das reivindicações era a abolição definitiva das chibatas como castigo físico. Mas também melhores condições de sobrevivência nos navios, incluindo aí alimentação adequada e locais de pouso decentes. Os rebeldes queriam ainda aumento de salários e redução da jornada de trabalho. O movimento também se posicionou contra outros castigos corporais previstos no código disciplinar, tais como a palmatória, a prisão a ferros e a solitária.

Como o governo federal – comandado pelo presidente marechal Hermes da Fonseca –, e o comando da Marinha estavam relutantes em aceitar as exigências dos revoltosos, um ultimato foi dado sob a ameaça de abrirem fogo contra o Distrito Federal. Alguns tiros de canhões foram disparados, até que o governo resolveu negociar.

    A revolta

 

A revolta começou depois da punição do marinheiro Marcelino Rodrigues Menezes, do Encouraçado Minas Gerais, a caminho do Rio de Janeiro. Numa briga com um cabo, Marcelino o feriu com uma navalha e por isso foi punido com as 25 chibatadas, conforme previa o severo código disciplinar da época. Mas os comandantes decidiram aplicar a pena de 250 chicotadas, o que causou indignação da tropa. João Batista das Neves não estava no navio quando a revolta estourou. Ele jantava a bordo do navio escola francês Dugay Trouin. Ao retornar, foi aprisionado e acabou sendo executado junto com outros três comandantes.

A Revolta da Chibata mobilizou mais de 2 mil marinheiros de praticamente todos os navios da Marinha ancorados na Baía da Guanabara. Durou de 22 a 27 de novembro de 1910. Na carta apresentada ao governo, exigia-se “acabar com os castigos corporais, melhorar nossa comida e dar anistia a todos os revoltosos. Senão, a gente bombardeia a cidade, dentro de 12 horas".

O governo não conseguiu entrar num acordo com o Congresso Nacional e o comando da Marinha. A primeira reposta foi um contra-ataque. Mas como os navios eram de pequeno porte, logo foram derrotados. Diante do impasse, cinco dias depois, em 26 de novembro, o governo federal aceitou as reivindicações e confirmando a anistia. Os revoltosos se entregaram, mas dois dias depois o marechal Hermes da Fonseca não cumpriu sua palavra. Cedendo às pressões dos comandantes da Marinha, a anistia foi revogada e todos os revoltosos presos, sendo alguns expulsos e outros mandados para o desterro em seringais da Amazônia pra trabalhos forçados ou nas instalações de linhas telegráficas do marechal Rondon pelo Oeste de Mato Grosso até o Amazonas.

O líder João Cândido foi preso no dia 4 de dezembro no presídio da Ilha das Cobras, onde ocorreu nova revolta dos fuzileiros navais. O local é bombardeado matando mais de 500 revoltosos. Os mais de 100 que sobraram sofreram horrores na prisão. João Cândido e mais 17 foram confinados numa cela com cal virgem. Somente o “almirante negro” e outro militar sobreviveram. Depois o líder foi internado num hospício no Rio de Janeiro. Os que sobraram da revolta – ele e mais dez outros marinheiros –, foram julgados e absolvidos dois anos depois da revolta, mais exatamente no dia 1 de dezembro de 1912. João Cândido sobreviveu até 1969, quando faleceu pobre e esquecido numa favela carioca.

Batista das Neves foi um dos militares mato-grossenses com maior destaque na história política e militar do Brasil no final do século 19 e início do século 20. Por sua posição estratégica, muitos militares de Mato Grosso tiveram participação de destaque na Guerra do Paraguai. Outros se destacaram nos movimentos republicanos ou monarquistas do final do século 19. Batista das Neves foi um deles. Ele ainda era capitão-tenente da Marinha Brasileira quando estourou o episódio monarquista que ficou conhecido como a Revolta da Armada, em 1893. Foi um dos líderes desse movimento, chegando a entrar em combate, comandando o cruzador Andrada. A revolta não atingiu seus objetivos.
 





Fonte: RD News

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