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Esportes
Sexta - 18 de Abril de 2014 às 14:42

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O telefone tocava mais uma vez. Era o diretor de futebol do Santa Cruz de Santa Rita, César Wellington, que ligava pedindo ajuda ao médico Dorivaldo Pereira, que já dormia em sua casa. A presença dele era solicitada para que a partida do time da cidade contra o Auto Esporte pudesse ser realizada. O médico inicialmente escalado faltara e era necessário um substituto para que a bola pudesse rolar. Sempre solícito, o "doutor", como era conhecido pelos santarritenses, descumpriu o pedido da esposa e foi ao Estádio da Graça, em João Pessoa. Ele nunca desligava o telefone. E atendeu a mais este pedido. Morreria pouco mais de duas horas depois, quando passou mal no local do jogo e não resistiu à uma embolia pulmonar que evoluiu para uma parada cardíaca.

Morador há 45 anos do município de Santa Rita (que faz parte da Grande João Pessoa), o médico era conhecido pelo seu trabalho voluntário e pela forma como atendia a população da cidade. Prestava há pelo menos seis anos serviços gratuitos e voluntários ao Santa Cruz, pelo simples prazer de ajudar a agremiação que representa Santa Rita no Campeonato Paraibano de Futebol; e costumava atender também toda a população local.

Natural de Itambé, Pernambuco, ele se mudou para João Pessoa para estudar medicina. Era o seu sonho de criança. Isto porque, ao nascer, perdeu a mãe no parto. E depois que cresceu, decidiu que queria ser obstetra para evitar que outras mulheres sofressem do mesmo problema que afetou a sua vida.

- A minha avó morreu no parto dele. Então meu pai decidiu que viveria para evitar este tipo de morte. Ele não queria que nenhuma mulher tivesse o mesmo destino de sua mãe e morresse no parto - destaca Dorivaldo Júnior, se referindo à história que muitas vezes foi contada pelo seu pai.

Depois, o filho contra outra história curiosa sobre o pai. No ano passado, ambos se debruçaram num levantamento e descobriram que o pai foi responsável por pelo menos 10 mil partos feitos na região em quatro décadas e meia de atuação profissional, cumprindo assim o propósito que tinha para sua vida.

- É curioso, mas meu pai foi homenageado por muitas das pacientes que ele atendeu. Muitas delas deram aos seus filhos o seu nome. A cidade tem hoje muitos outros Dorivaldos - declarou o filho, emocionado, durante o velório do pai.

Relação com o Santa Cruz

Dorivaldo Pereira nem era torcedor fanático do Santa Cruz de Santa Rita. Muito pelo contrário, era flamenguista de coração. Mas adorava a cidade que escolheu para viver mais da metade de sua vida (ele morreu aos 72 anos). E por isto, na última década passou a se dedicar mais ao clube símbolo da cidade.

O Santa Cruz foi bicampeão paraibano em 1995 e 1996, mas depois disto entrou em crise e extinguiu seu futebol profissional. Voltou em 2009, disputando a 2ª divisão do Campeonato Paraibano, e desde então teve em Dorivaldo um "médico voluntário". 

E por coincidência, sua morte acontece justamente no ano em que o time finalmente conseguiu reestrear na elite do futebol paraibano, após conquistar em 2013 o vice-campeonato da divisão de acesso.

De acordo com o diretor de futebol do Santa Cruz, César Wellington, o médico tinha uma relação muito especial com o clube: 

- Quando era preciso, ele ia aos jogos. Aos treinos. Cuidava dos jogadores. Passava medicação e nunca cobrava nenhum centavo pelo atendimento. Fazia isto unicamente para nos ajudar - relembra César.

E para se ter uma ideia da importância que ele tinha para o clube, toda a comissão técnica, os dirigentes e boa parte do elenco compareceu ao seu velório. 

A apresentação e os treinamentos foram cancelados apenas para que o time pudesse se despedir do "doutor".

- Ele sempre ajudou todos nós. E não ajudou só o time. Todo cidadão de Santa Rita que precisasse, podia contar com ele. Nós mesmos nunca recebíamos um não. Desde o começo do campeonato deste ano, o doutor se propôs a nos ajudar. Ontem ligamos de última hora e ele foi prontamente para a Graça – contou César Wellington.

Dorivaldo, inclusive, era uma figura bastante conhecida na cidade. Foi vereador por dois mandatos, secretário de Saúde em duas oportunidades e dirigiu o hospital municipal da cidade. Ao entrar no Estádio da Graça, na quarta-feira, pouco tempo antes de morrer, ele era a última esperança para que o jogo pudesse ser realizado. E teve o último momento de contato com a população da cidade que amava.

Foi aplaudido pela torcida. E sorridente, retribuiu a gentileza. Achando engraçado o fato do médico do jogo ter se transformado em protagonista do confronto. Sentou no banco de reservas do time adversário, o Auto Esporte, e foi "repreendido" pelo treinador do Santa, Wamberto Firmino, que em tom de brincadeira o questionou por sentar ao lado dos adversários. Foi a deixa para a última piada:

- Professor, é bom porque daqui eu fico mais perto para reclamar do bandeirinha - declarou sorrindo, enquanto se levantava e ia em direção ao banco do Santa Cruz.

Três minutos depois, começou a passar mal. Foi amparado pelos jogadores dos dois clubes e levado à ambulância. De lá foi para o hospital, onde morreu menos de uma hora depois.






Fonte: Globo Esporte

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